quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Pauta indigesta de aula

O tema da redação para o ENEM me deu muito a percepção de que estou endireitando o barco educativo para o rumo certo: levando curtas, trechos de peça, edição de fotos, mini documentário italiano, mais recentemente essa inversão francesa de papeis e agora também a matéria sobre o espetáculo BR Trans, em que um ator encena histórias de várias travestis. Quem abriu os ouvidinhos e minimamente o coração tinha estofo pra escrever no provão do último final de semana. Mas aos meus estudantes ainda resta passar pelo médio e o governo do meu estado está fechando escolas a rodo. Rolam debates, estimulo discussões, mas quando ouço um estudante contar que depois da mulher quebrar o braço dele, afundou o maxilar dela, acho que está tudo perdido. Só que ele concluiu:
- ...eu me arrependo, não faria de novo...
E a terapeuta garante que é esse "mas" final que salvou a história toda. É catártico contar em voz alta e fazer mea culpa. Resignificar o que rolou. Escutar em voz alta o que se fez. Esse pessoal não vai ao psicólogo, nós mesmos é que fazemos as vezes de.
Depois de levar a matéria BR Trans e ouvir críticas ao cabelo afro da apresentadora, pensei: "isso tem que ser tocado adiante". Muito. Até que os ouvidos se cansem de criar brechas e as mensagens desçam pro coração. Noutra sala também ouvi contra gay e trans. Fiz outro discurso contra homo e transfobia (que bom que tem uma aluna trans noutra turma):
- É aceitável que vocês vão lá bater nela?
- Se ela continuasse lá no canto dela, mas fica mexendo e deixando sem graça até o professor de matemática.
- Pois ela só faz isso por manter a natureza de vocês mexerem e nos deixarem em saia justa nas ruas, escolas, metrês, pois nós não fazemos isso...
Quando um outro "salva a pátria":
- Quando estou com meus amigos e vão falar com uma menina que passou, também digo "deixa em paz, é chato"!
É sempre aos 45 do segundo tempo que tudo parece fazer algum sentido. <3

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Playcenter pedagógico

Dar aula envolve uns sobes e desces muito caóticos. Comecei a semana com aluno me ameaçando. No meio já tinha estudante querendo saber onde arrumo tanta história e quase no fim "educanda" zapeando querendo saber quando vem a próxima história na outra sala. Pra lá da classe não é diferente. São umas críticas mais ou menos construtivas que te deixam dias encafifadas e outro empurrãozinho "precisamos de gente como você pra mudar a educação". E você no sanduíche "caramba... Vazo, teimo mais um pouco ou..."? Como sou Mendonça e sagitariana, sigo persistindo. Um aluno chuta o pau na barraca com tudo que é orientação nossa e vamos pro pelourinho. Reclamo que a frequência no fim da semana decai, sugiro outras abordagens e..."o problema não é você prô e nem o que está inventando, é a melhor aula, mas sexta não dá". Conto história em colégio público pelo dia das crianças, a verba momentânea não colabora, mas... Ganho livros e abraço coletivo para lembrar da professora cênica de biodança.
Conto também pelo dia das crianças na zona leste, entre uma e a outra, na hora do almoço ouço os estudantezinhos cutucando os pais "ela que nos contou história"! Estou um pouco questionando como um músico contemporânero emo "como essas crianças amorosas, criativas, acolhedoras, carinhosas, interessadas...se tornam adolescentes meio esnobes, fazendo atividade proposta 'a três por quatro' pra desocupar e barbarizar mais um pouco, truculentos e num descaso sem fim"? Não passamos por uma metamorfose e sim uma deformose... A existência pareceu procurar me "arribar" dessas questionadas, pois li uma escritora, formadora de professora, aposentada na educação, descentente de índio e negro me "agradecer por manter viva a cultura griô". E eu nesse encanto profundo com a África, lendo mais depois de um curso com o griô Toumani Koyaté no Centro de Formação Sesc. O elogi online lavou umas barbaridades que ouvi duns negros que passaram pela minha vida. Só faltei formar coraçãozinho de volta com as mãos para a colega internauta.
Nas aulas, outras trocas fomentam essa insistência em acender um fogo para novas descobertas. Fizemos recriação de Pollock numa turma, vi uma faxineira terceirizada curiosa e de olhinhos brilhando e chamei pra também pingar e pintar abstrata e expressivamente. Integrações que só  arte no pátio possibilita. Uma idealista da gestão quer fazer teatro do oprimido comigo depois de contar duma turma que interpretou os abusos num ônibus no pátio do colégio depois de aulas e conferência de diferentes formas do uso da arte contra violência que atinge a mulher. E vamos arando a terra, regando e estudando novos adubos e melhores tempos de colheita. Que educar é também meio agricultura desses alvorecer.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Bombril cult

Educar é muito montanha russa. Sei que devíamos era só ensinar, mas não, os pais terceirizaram sem dó nem piedade, em sua maioria. Semana passada me vi dando conselho pros jovens de 18, 19 e 20 numa das escolas em que ensinaria arte. Lembrei dum amigo que afirma: o grosso desse trabalho é assistência social. Alguma coisa é educação. E estes dias, noutra escola, com uma turma mais nova, quase sempre dispersa, com ar de que nunca está nem aí, displicente, dei Lasar Segall, fizemos releituras e quando fui pros mais velhos, falar de Duchamp, de repente estavam dois novinhos na porta da sala. Brinquei se estavam com saudade, mas juravam que não tinham o que fazer noutra classe. É uma turma em que quando falta o "incendiário", conseguimos criar laços sem querer. A professora de português queria que
um dos estudantes escrevesse como pinta, pois na aula dela tem se expressado pouco, tímida e com errozinhos. Mas a gente parte pra uma nova linguagem e uou! Eles se soltam muito. Um dia quero bater em retirada, pois a papelada ameaça nos afogar "de quando em vez". Noutros reencanto, como quando recriei Pollock noutra turma, vi uma faxineira com os olhos brilhando e chamei para entrar na pintura sob o papel kraft. A escola pública é tão democrática que me dá vertigem de lembrar minha temporada num "quartel de freiras". Há pouco tempo soube dum
colégio bom particular com concurso aberto, mas só de desconfiar que devia cair no corporativismo doente de sempre, pois sempre que pagam bem, cobram nosso rim, nem me mexi. É muiiiito novo que eu tenha pela 1a vez sustado minha sangria desatada de sempre correr atrás de salário, cliente, chefe melhores... Profissionalmente, o Eldorado não existe. Não mudaremos o mundo por trás das paredes dos escritórios, salas, redações... Mas como no serviço público municipal ainda pareço ajudar a melhorar esse mundão, permaneço. Nunca consegui criar raízes. Sempre estive de passagem. Perdi o fôlego de colecionar mais lugares trabalhados do que anos de vida. Me exauri. Agora estou contemplando aqui um aluno interessaaaado no que perdeu apesar de nem ser da área que ensino, outro talentoso de recriar os artistas com um pé nas costas, outra pacieeente com
os adolescentes tentando fazê-la perder as estribeiras, outra reinventando Picasso tão bem feito, de brilhar os olhos da professora, outros me defendendo pra colegas de trabalho duma questionadora irrefreável contra tudo e todos, outros embarcando na viagem poética rumo aos cordeis... Fora que é a primeira vez em que adoeço e quando volto, querem saber se melhorei, não me limam na segunda gripe. É mais humano, às vezes até demais, ao ponto de vivenciarmos e compreendermos a nomenclatura servidor. Sonho em atravessar a rua e trabalhar duas casas para lá da minha: há 20 anos cruzo a
cidade e estou cansadíssima. Como diz um amigo "estou tão sensível que até apito de chaleira me faz chorar".
Na paralela, contando histórias em feiras literárias, trabalhos sobre dia da árvore e das crianças  há um mês e meio. Cantando, apaixonando pela literatura afro, divulgando nossas raízes, brincando com objeto de cena, encantando, dizendo xis quando nos fazem clic! Indo à falência de trazer mais títulos literários infantis que consigo consumir, me tocando com as desculpas da turma elétrica, sendo reconhecida lá do outro lado da cidade, improvisando e me virando nos 30 a despeito do pau no microfone e turma
hiperativa, dando bis nas histórias para os pequenos que escolhiam mais livrozinhos nos carrinhos da biblioteca, reencontrando colegas lá da várzea trabalhista da qual me libertei, trocando figurinhas... O palco é meu país e o carrego entre livros, elementos de cena e maquiagem. Vivenciar a arte como pátria, como diria o artista de rua que conferi na Augusta há pouco tempo. Onde estivermos entranhados às cênicas, estaremos em casa.
Os meus filhos literários saindo do forno, entre revisões, projetos, editais, propostas, imersão com coletivo cultural nas nossas ideias destrinchadas entre uma trupe cômica, acolhedora, ativa, se renovando a cada oportunidade. Nossos sonhos, os filhos que realmente queremos que ganhem o mundo - e lá vem o Guardião da Cidade e A Pirueta da Bailarina Gordinha, pela Rouanet e Proac, depois de quase 30 anos batendo em portas, ouvindo não e mirabolando outros atalhos e estratégias. Descobri que revisar livro é sem fim como as matérias de revista - uma hora terão que arrancar de nós mesmo...
Nas creches tateio com as professoras e crianças como criar e ensaiar um cortejo com o ritmo das escolinhas a todo vapor. Perco brinco, me encanto com as criatividadezinhas, faço dormir, canto, limpo prato, danço, sirvo água... Tenho relembrado músicas e danças de minha infância. Inclusive a aflição patológica da comida de creche. Desafiozaço ser vegetariana sem tempo e cheia de não me toques no cardápio. A risada desta sexta foi o cocô da pequenininha que do rio pro mar virou sereia. Outra contadora nata, de capinha, cestinha, melhorando Chapeuzinho. Pena celular me dar olé, mas temos feito escambo do ideal e o possível. Sempre quis meter um pezinho lá nas escolas dos minúsculos. A criançada permanece um mundo encantado. A burrocraciolândia... "Só Jesus na Calda".
Não por acaso tenho sonhado com as férias, chorado de cansaço, tido insônia e ficado ansiosa, pois Deus não perdoa os hiperativos criativos. E como aperto pouco é bobagem... vem casório aí... Como diria Tancredo "para descansar, teremos a eternidade".