terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Do cênico aprendizado de se militar no modo lúdico

A narração dramatizada de histórias permite a graça de receber aos 45 do segunto tempo a lembrança de outra contadora te repassar não só um trabalho, mas a graça de se deliciar numa livraria e de quebra ainda brincar e ganhar uns cafunezinhos súbitos das generosas crianças. Que contar histórias tem um pouco disso: acreditar no que dizia Ana Luiza Lacombe "uma sociedade que precisa reaprender a contar histórias adoeceu, pois entre nossos ancestrais era tão natural se sentar ao redor da lamparina de querosene ou fogueira e ouvi-las que estudar isso não era preciso". 
No jornalimo também ganhei o reconhecimento de amigos repassando matérias, só que no geral eram pautas tipo "descascar o abacaxi", na linha "peculiaridades no armazenamento logístico especializado de produtos". A gostosura de se escrever do que se sabe ou ama no geral os colegas sentam em cima, um pouco por ser difícil de acontecer e outro tanto pela natureza da profissão não ser lá tão acolhedora quanto a arte educação ou o teatro a favor da literatura. Admito, estou bem bodeada com a comunicação, mas vamos lá, pois o post é dos deleites da vida e não de seus percalços.
Fui substituir a Marina Bastos na Livraria Cultura de Campinas, divulgando os
livros Amigos para Sempre e É Hora da Escola Charlie Brown! Me animei, pois como a amiga Tatit Brandão também sinto que o "Minduim" foi minha primeira paixão. Só que depois de "adultinha" achei que ele não era nada infantil, muito pelo contrário, um colega músico ensinou que tem muito do filósofo Schopenhauer nas tramas dele, que acredita por exemplo "certamente a vida não existe para ser aproveitada, mas para ser suportada e despachada... De fato, é um conforto na velhice ter o trabalho da vida por trás de si".
No caso do primeiro livro, um compilado de lembranças da amizade, tentei suavizar o quanto a lembrança do desenho me parecia melancólica com acessórios cênicos que repasso à plateia para que "conte a história comigo". Ou se preferirem, que brinquem! Tudo faz parte da interação lúdico pedagógica... Mas na segunda obra, que já tinha o conflito que senti falta na primeira (coisa dos que escrevem e desgraçadamente estudaram literatura) me apoiei mais nela mesmo, optando por intermediar a leitura, destacar esses desenhos tão característicos do Schulz, fazer vinco central nas páginas, mostrar o livro pra plateia e segurá-lo por baixo (lições repassadas por Marina Bastos, aprendidas com Clara Haddad). Preciso dizer o quanto as crianças são generosas, curiosas, gratas, disponíveis e surpreendentes? A ação foi na programação Férias na Cultura, pena que em cima da hora acabei não conseguindo chamar a prima e seus filhotes lá da cidade, matar as saudades e contar histórias aos priminhos...
Há duas semanas comecei a capacitar professoras de creches, o que é uma graça para quem gostaria de ensiná-las, mas não tem mais ânimo para uma terceira faculdade na linha pedagogia (estou numa escolha sinuca de bico entre as pós Design Verde, Mídias na Educação, o técnico produção multimídia ou a formação de educadores brincantes do Instituto de Antônio Nóbrega). A gente tem que ser muito "tudo ao mesmo tempo aqui e agora" para treinar, "tourear" os pequenos, contar histórias, amarrar tênis, trocar com a professora e ajudá-la se as crianças "ameaçarem se estranhar". Bendita herança "um pouco de tudo jornalêra". No primeiro dia minha sacola foi nomeada "da surpresa": elas tem a caixa da surpresa, assim como no Colégio Santa Maria em que trabalhei nas bibliotecas a infantil tinha "a caixa mágica". Levei o último trabalho com Snoopy como forma de explorar objetos não usados momentaneamente e estimular os pequenos a resignificá-los e Receita para Pegar Saci, da Ana Claudia Ramos, como sugestão de trabalho com o folclore, já que tem legislação determinando ensino dele (pena termos perdido essa oportunidade em nossa educação ainda de ranços pós ditatoriais). Uma das professoras confirmou minhas impressões que cantar organiza a criançadinha ernegeticamente e eles ficam numa expectativa "o que vem por aí" e cria esse laço lúdico com eles. A maioria segunda turma só sossegou na primeira história, na segunda deu uma dispersada, talvez pela estratégia de usar a brinquedoteca ser atrativa demais (me contaram depois que ainda não tinha usado com um dos grupos). Daí a gente cisma que não conquistou os mini estudantes, mas depois chamaram para compartilhar a merenda, um deles saiu da hora do banheiro, me abraçou e logo estava num abraço coletivo digno da aula da professora/ bailarina Marina T. Francisco na Faculdade Paulista de Artes (e era bem os dispersos do segundo treinamento).
São duas creches, volto de quinze em quinze dias em cada uma. Na segunda já encontrei as educadoras em parada pedagógica, acabei dividindo aprendizados com um grupo maior, mas também integrada às coordenadora, assistente e outra oficineira do projeto, que reforçavam as mudanças da empreitada. Contei Canção da Chuva, de Gana, do livro Volta Ao Mundo em 80 Histórias, brincando com as possibilidades que os objetos cênicos trazem e apresentando uma forma de aplicar a legislação que determina ensino das culturas africanas e indígena, dividindo que tudo que se põe em cena tem um propósito (a saia de retalhos reforça que somos uma colcha deles nesse país e por aí vai).
Entre uma capacitação e outra, uma militância cultural no Parque Augusta, com as histórias lenda indígena do surgimento da noite (pois eles cuidam mais da natureza que nós), Canção da Chuva ("não sei se conhecem algum lugar onde não chove...") e Árvore Generosa, do autor Shel Silverstein (que o nome mãe natureza não é por acaso, ela se dá sem cobrar, mas é finita). No fim tinha espectadora pedindo ao deus do céu da terceira história, dorminhoco que esquece de "fazer chover" por estas bandas paulistanas:
- Acoooorda Nyame!
Rolaram ansiados reencontros com colegas de estudos literários e de "pochete" europeia (que não havia verba suficiente pro generoso mochilão que a prima fez um mês antes ano passado). Mães e assistente gratas e com retornos positivos nos trabalhos das últimas semanas deixam a alva cansada, porém lavada. Batalhar dia e noite em prol de trabalho significativo tem lá suas felicidades intangíveis.
P.S.: Acabei de descobrir que meu pai trouxe
de Salvador pra mim o pau de chuva, instrumento indígena que "arranho". Pena que perdemos ligeiramente o timing duma viagem aventureira juntos, pois descobri retardatariamente de onde vêm minhas raízes aventureiras: diretamente de seu Benedonça, seu livro do Xingu e histórias indígenas! Na torcida organizada que este ano sobre espaço pra aprender flauta com o amigo artista e médico!
P.S.2: Faz parte de todo processo trocar com quem viu depois, conferir o que andaram fazendo (no caso, neste dia, colagens com cortes de tecidos), incentivar "sonoplastia" dos espectadores (pro rio que faz chuá por exemplo), chamar para expressão corporal (dos flamingos que voam sobre o Nyame, numa parte da história). Que acredito que contar história é compartilhá-la.
P.S.3: É nessas ocasiões que temos boas surpresas como a cobertura da Preta Pretinha e sua filha do Fridas Fotos e Vídeos e também uma forma de não deixar escapar da memória as brincadeiras e retornos mais criativos dos pequenos, suas mães, tios ou pais.

Carrego na sacola de surpresas recém batizada as músicas da tradição oral que me marcaram parte do aprendizado lúdico que tive pequena "quem te ensinou a nadar", "um, dois, três quatro indiozinhos" e a influência de MPB lapidada pela musicista e professora mineira Marina de Assis Castro, seus bolos, tortas, cafés e aulas inesquecíveis. Fora que tinha uma lembrançazinha do que era o Parque Augusta, de outros passeios por lá, mas quando o vi como a última parte de Mata Atlântica da cidade e exeperienciei o quanto acredito em ocupar o que nos interessa nessa cidade antes que percamos, é um domingo significativo e tanto!
"Foi, foi marinheiro, foram os peixinhos do mar"...