quarta-feira, 10 de junho de 2015

Conquistando os quase letárgicos aos 45 do segundo tempo

Ontem rolou dessas sintonias raras com o nosso público desafio: o jovem. Me deu uns cinco minutos de trabalhar releitura da Basquiat com eles. Já tinha rolado bem com outros adolescentes no Estado ano passado. Só que sou midiática pra caramba, uso vídeo a rodo, mas ontem meu programa de captura de vídeo deu pau. Bem no dia em que descobri que além da versão editada do longa deste pintor, tem um trailer! Fui pra reunião pedagógica semanal na maior chateação, não só por isso, mas tinha criado um galo batendo a cabeça na quina da porta da lavanderia, minha gata resolveu arranhar nuns lugares bem doloridinhos, o levantamento de índices sobre a violência contra mulher e notícia que li no começo da semana me "quebraram a perna" (como aprendi no Movimento das Mulheres do
Heliópolis, machucou uma, abalou todas), meu pai tinha destilado suas críticas de desestabilizar qualquer um e vi no drama duma mãe sanduíche entre filho e pai, um quê biográfico familiar... Porém na ida encontrei o professor príncipe, que já dá um up no fluxo down de pensamento. Como tinha estudado a biografia deste artista, lá na sala de professores fiz uma apresentação das principais obras dele com as características mais marcantes. E lá fui pra nossa sala Kinder Ovo... Lembrei que haviam acabado de arrumar o ateliê e pedi pra levá-los. Expliquei que o Basquiat tinha uma pintura ingênua, do gueto, politizada e tal. Bem, as obras dele falam mais que meu discurso. Uma Monalisa modernizada explicou o que passei o semestre tentando passar sobre releitura. Antes de estrearmos o ateliê pedi pra deixarmos na organização encontrada, não era só nosso:
- Não sei vocês, mas eu quero voltar lá.
Na boca do gol tivemos dúvida se vazariam, pois está num antigo vestiário, na área aberta da quadra. Achei que não. Mas quando ouvi planos de fugir em desabalada carreira, avisei:
- À vontade, mas rolam faltas.
E como é fim de semestre, com a maioria fazendo qualquer negócio para passar... Fomos conhecer o famoso ateliê. Incrível, mas... bem faltavam telas. Os estudantes foram pegar na escola e voltaram. Fui e voltei imprimindo apresentação do Basquiat, fechando sala, pegando giz, papel higiênico... E eles lá, meus aspirantes a artistas! Depois pedi ao prô príncipe que nos pegasse de volta lá pra aula dele, pois meu celular tinha morrido e não ouviríamos sinal bater.
- Ah você põe açúcar na boca deles e quer que os traga pra sala?
Pois eles pintaram o sete, arrumaram razoavelmente (é possível que neste aspecto encontremos contradições, já que tem prô que não visualiza um mínimo caos criativo como sinal de que esse tipo de atividade funcionou) e voltaram para a aula de história! Fora que uma das releituras tem um que de Picasso e não lembro de ter falado que o Basquiat namorou um pouco os traços deste pintor espanhol. Já saí de lá meio caída de amores pelos adolescentes, um milagre suficiente para toda uma noite. Mas quando cheguei ao trem, corri para perto do projeto Um Piano na Estação - não interessa de que música se trata, se é boa eu avanço próximo mesmo. Era gospel. Nem sou lá a maior das crédulas, vivo às turras com Deus (só que de acordo com um pastor que trabalhei na Bela Vista, Ele gosta dos rebeldes). A hora que vi estava eu e uma senhora com jeito de morar na rua (com chinelos na mão) chorando, daqui a pouco uma quantidade significativa cantando e direcionando pelas mãos a fé, o louvor ou sei lá... O amor do Hômi? Bem, antes que passassem o chapéu do dízimo peguei o trem de volta a Sanca City. Brincadeiras à parte, ontem alguma coisa divina deu uma esgarçada neste coraçãozinho marrento aqui. Tenho demorado a voltar e registrar essas delícias, pois tenho vivido o que o griô Toumany Koyaté ensinou lá no Centro de Formação do Sesc: as palavras são outra traição, como a tradução. Como descrever a euforia da prô de português dizer que ajudou revisar poesia pro trabalho final (sarau interno) que pedi noutra turma? Ou o orgulhozinho doutros estudantes terem mostrado o vídeo da improvisação deles à outra colega de trabalho? A compaixão de ter percebido semana passada que dando atenção e trabalho artesanal meditativo, os carentes jovens apaziguam? A animação doutra turma contar da aula de teatro do oprimido e sugerir teatro para um projeto de violência doméstica de outro prô? A risadona de ver os estudantes mais participativos conectarem as matérias, levarem conteúdo que planejei sem pedir ou dar uma bolachinha doce importada num dia difícil com outros jovens impenetráveis? O quentinho no peito da última turma da sexta ser a única cheia, com olhões arregalados e atentos tarde da noite? A experiência de vivenciar me ver neste trabalho, como a prô de geografia falou noutro encontro semanal? Se reconhecer nele. Não que não gostasse do jornalismo, tinha paixão pelas entrevistas, apuração, locução, gravação, cobertura e até divulgação com novidade ou diferencial... Mas a indústria lá é tão empenhada em manter tudo como está... E aqui, dá uma impressão de contribuir para melhorar. Como quando ouvi ontem o aluno que fez Picasso sem querer dizer que queria ser tatuador e eu dar gás. Pena entender o melhor para cada turma a um mês das férias, mas... semestre que vem será menos perdido. E evocando Dionísio, evoé!